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DROGA DE ABUSO

Contextualização

Contextualização

      Segundo a WHO, a Cannabis é a droga de abuso ilícita mais cultivada, traficada e consumida do mundo. A mesma estima que cerca de 147 milhões de pessoas (cerca de 2,5% da população mundial) consome cannabis com prevalência anual, sendo que o número de consumidores casuais será exponencialmente maior. [1]

       Nos tempos mais recentes, tem-se verificado um crescimento mais acentuado no consumo de Cannabis do que de outras drogas de abuso, como a Cocaína ou os Opiáceos, especialmente em países desenvolvidos, onde a Cannabis se tem disseminado cada vez mais proeminentemente na cultura jovem, tornando a idade com que se inicia o seu consumo mais baixa, comparativamente com outras drogas de abuso. Isto pode ser visto, também, como um reflexo da diminuição da perceção de risco para o consumo da Cannabis, devido às medidas mais leves quanto à regulação da mesma, em certos territórios. [1] [2]

Descobre mais sobre toda a controvérsia em torno do uso da Cannabis, em Portugal,

clicando neste botão

      No caso de Portugal, desde 2001, através da Lei nº30/2000, de 29 de Novembro, que "a aquisição, posse e consumo de drogas" (incluindo a Cannabis) deixou de ser alvo de processo crime, para indivíduos com mais de 16 anos. Contudo, estas substâncias psicoativas continuam a ser consideradas ilícitas e são puníveis por lei, sendo os seus portadores alvos de contraordenações sociais (coimas). Na mesma Lei, é estipulado que a quantidade de droga permitida a ter em posse, para que estas condições sejam aplicadas, não deve exceder o necessário para o consumo médio individual de 10 dias. No caso da Cannabis, segundo a Portaria n.º 94/96, de 26 de Março estes valores são de 0,5g de THC, que equivale a 25g (2% de THC) para folhas e sumidades floridas ou frutificadas, 5g (10% de THC) para resina ou 2,5g (20% de THC) para óleo.

     

    Segundo o “IV Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral, Portugal 2016/17” - realizado pelo SICAD, que envolveu 12 023 cidadãos portugueses residentes tanto no Continente, como nos territórios Insulares - também a Cannabis se perfila como a substância psicoativa ilícita com maior prevalência no nosso país e com tendência a aumentar esta prevalência. [3]

       

      Podemos retirar desse mesmo inquérito, os seguintes dados [3]:

1/20

Pessoas

Assumem terem consumido,

no mínimo, 1x durante os

últimos 12 meses anteriores

55,2%

Destas

Assumem terem consumido diariamente durante os 12 meses anteriores 

Homens reportam

mais consumo, em geral, independentemente da faixa etária.

Mulheres dos 15-24 anos são exceção à regra, consumindo mais que os homens de igual idade.

Em Portugal, em geral, o consumo tende a baixar à medida que a idade sobe, alcançado o seu valor máximo na faixa dos 25-34 anos.

Desliza o rato sobre os círculos para revelares as três razões principais, pelas quais os inquiridos justificam ter consumido Cannabis 

Necessidade de

"se sentir high"

24,3%

Vontade de

experimentar

19,5%

Auxílio de

relaxamento

18,4%

Estas três razões principais, permanecem inalteradas nas três primeiras posições desde o primeiro inquérito deste género, realizado em 2001.

Modelo de Dependência

Modelo de Dependência

      Quando ocorre o consumo por um período de tempo prolongado, alguns consumidores de Cannabis poderão desenvolver uma dependência da mesma.

 

    Koob and Volkow (2016) [4], definem dependência de uma droga como “um transtorno recidivo crónico, caraterizado pela compulsividade em procurar e consumir a respetiva droga, perda de controlo aquando de consumos limitados e aparecimento de estados emocionais negativos (disforia, ansiedade, irritabilidade) quando o consumo é negado ou impossibilitado”.

     A dependência ou vício numa certa droga, segundo os mesmos, resulta de uma desregulação exacerbada nos circuitos motivacionais devido a uma combinação de fatores neurofisiológicos. Esta desregulação pode ser dividida em três fases que ocorrem de forma cíclica, sendo que Koob and Volkow, em 2016, propuseram um modelo que explica a dependência de drogas representando este mesmo ciclo de eventos. [4]

     Utilizaremos esse mesmo modelo para explicar, simplificadamente, o abuso e dependência da Cannabis, uma vez que as mudanças neurofisiológicas e os sintomas manifestados provocados pela mesma, vão de encontro ao modelo proposto por Koob and Volkow, em 2016, ainda que de forma menos robusta que outras drogas de abuso. [2]

       O seguinte esquema representa o ciclo completo, dividido nas suas três fases, de forma simplificada:

Fase de

Binge/Intoxicação

Fase de

Preocupação/Antecipação

Fase de

Abstinência/Efeitos Negativos

    Começando pela Fase de Binge/Intoxicação, esta é caraterizado por compulsividade e impulsividade extremas em consumir a Cannabis, negligenciando, por completo os efeitos negativos associados à mesma e está, normalmente, associada à hiperativação do sistema de recompensa mesocorticolímbico dopaminérgico. Esta hiperativação faz-se sentir, de forma demarcada, através da libertação exacerbada de dopamina aquando do consumo de Cannabis, quando comparada com outros estímulos, forçando o indivíduo a sentir-se realizado apenas se consumir a Cannabis. [2] [4]

Consumo prolongado

de Cannabis

Maior probabilidade de THC provocar efeitos adversos

Exposição a quantidades elevadas de THC

Maior consumo de Cannabis necessário para atingir o mesmo efeito

Sabias que a Cannabis pode causar Tolerância?

[2]

 

Dessensibilização do sistema de recompensa provocado pelo THC

Diminuição da quantidade de recetores CB1

   Segue-se a Fase de Abstinência/Efeito Negativo, que é estimulada quando processos contrários são despoletados, após um episódio de consumo exagerado de Cannabis, durante a fase anterior. Estes processos, de natureza neurobiológica, culminam na perda de motivação para realizar tarefas ou atividades que não o consumo da Cannabis, manifestando-se em sintomas como desregulação do sono, mudanças de apetite, mal-estar, ansiedade, disforia e/ou irritabilidade. [2] [4]

 

     Este quadro sintomatológico é o espelho de várias neuroadaptacões intra e inter sistemas neurobiológicos, tais como diminuição de sinalização dopaminérgica no Estriado Dorsal, desregulação do funcionamento da Amigdala e/ou disfunção do eixo Hipotálamo-Pituária-Adrenal. [2] [4]

DESORDEM.jpg

1. Figura ilustrativa de Abstinência ao consumo de Cannabis.

    Por fim, para fechar o ciclo, a Fase de Preocupação/Antecipação consiste nos momentos em que o corpo do indivíduo procura voltar a consumir a Cannabis, após a fase anterior de abstinência. Esta fase é caraterizada tanto pelo possível envolvimento de atividades GABAérgica e Glutamérgica desreguladas, como pela desregulação da sinalização entre o Córtex Pré-frontal e as áreas do cérebro que regulam tomadas de decisão, memória, controlo inibitório e autocontrolo.

 

      Estas mudanças refletem-se numa maior atenção dada pelo indivíduo a estímulos que envolvem a Cannabis e numa diminuída resposta a estímulos que não envolvam a mesma, culminando na inabilidade de controlar certos comportamentos. [2] [4]

Tratamento

Tratamento

     Terapêuticas para a dependência de Cannabis não estão muito bem desenvolvidas, sendo que com o advento do aumento de consumo e a legalização da Cannabis em vários territórios é fulcral que se desenvolvam e se procurem tratamentos eficazes, especialmente farmacológicos, que possam complementar as intervenções psicoterapêuticas. [5]

Intervenções Psicoterapêuticas [5]

  Começando pelas Intervenções Psicoterapêuticas, estas demonstram resultados aceitáveis reduzindo o consumo e a frequência do mesmo, ainda que apenas tenha resultados limitados no que toca ao período de abstinência. A psicoterapia mais eficaz tem-se demonstrado na forma de combinação entre MET, CBT e CM (para abstinência)

    MET, significa Terapia Motivacional Melhorada e consiste em motivar as pessoas para a mudança de atitude e de vida, através de feedback positivo sem qualquer tipo julgamento ou crítica depreciativa, prevalecendo um diálogo de aconselhamento, apelando a que o próprio indivíduo comece a querer desabafar sobre o seu problema, expondo assim os seus medos e situações vivenciadas pelo próprio, sendo assim possível prever os seus comportamentos futuros. 

              

   CBT ou Terapia Cognitiva Comportamental, desenvolve prevenção de recaídas e soft-skills para lidar com as mesmas, ao mesmo tempo que procura comportamentos sociais alternativos. Para alcançar isto, o CBT utiliza várias ferramentas como auto monitorização, realização de tarefas (como TPC’s) e interpretação de papéis. 

              

   CM (Gestão de Contingência) baseia-se em definir objetivos palpáveis, como presenças em sessões, dias de abstinência ou testes de urina negativos à presença de Cannabis, e trabalhar em função dos mesmos, modificando-os sempre que necessário caso o tratamento tenha mais ou menos eficácia que o inicialmente delimitado.

Tratamento Farmacológico 

   Tendo em conta a falta de eficácia das Intervenções Psicoterapêuticas é urgente desenvolver alternativas farmacológicas para o tratamento da dependência de Cannabis, de forma a através de uma combinação das mesmas, se poderem atingir resultados melhores. [5]

    Os Tratamentos Farmacológicos passam por tratar os sintomas de abstinência, a dependência em si e ainda as comorbilidades associadas, porém ainda nenhum candidato se revelou particularmente eficaz. [5]

     Utilizamos os seguintes fármacos como exemplos de alternativas farmacológicas possíveis:

RIMONABANT

Antagonista seletivo de CBR1 que demonstra conseguir bloquear intoxicações e efeitos taquicárdicos associados a Cannabis inalada, porém está muito associado a causar ansiedade e depressão. [2]

N-ACETILCISTEÍNA

Medicação mais promissora para o tratamento da dependência de Cannabis e funciona através da normalização do processo de troca entre cisteína e glutamato. [5]

 

Este fármaco tem demonstrado conseguir reduzir a reinstalação da procura, desejo e consumo da Cannabis, porém mais informações acerca da sua eficácia precisam de ser estudadas. [5]

Diagnóstico

Testes de Deteção

     Existem várias formas de detetar a presença de THC e/ou dos seus metabolitos no corpo humano, tendo em conta as particularidades toxicocinéticas da Cannabis. [6]

     Podemos detetar THC de várias formas através de análises à saliva, cabelo, unhas, fezes, urina ou sangue, sendo os dois últimos os mais utilizados, uma vez que têm uma janela de deteção mais alargada, assim como possuem maiores concentrações de metabolitos de THC. [6]

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Desliza o rato sobre as imagens para saberes mais acerca destes métodos de deteção de consumo de Cannabis:

teste urina.jpg

Por um lado deteta presença de 11-OH-THC e é muito específico e preciso. Utilizadores crónicos conseguem acumular mais metabolitos na urina, do que utilizadores casuais, extendendo o prazo de deteção. [6]

Por outro lado, não é capaz de detetar logo após o consumo.[6]

2. Exemplo de teste de deteção de Cannabis na Urina.

teste sangue 2.jpg

Capaz de detetar THC até 30 dias após o consumo. [6]

Porém o tempo de chegada do mesmo ao sangue pode variar consoante a via de exposição. [6]

3. Exemplo de colheita de Sangue, para posterior análise.

teste cabelo 2.webp

Quantidades detetadas são muito baixas. [6] 

 

Pode haver contaminações através de suor ou toque de outras pessoas e ainda de fumo passivo, pelo que o teste não é completamente confiável, nem preciso. [6]

4. Exemplo de teste de deteção de Cannabis no Cabelo.

     Todos estes processos supracitados envolvem algum tipo de trabalho laboratorial, pelo que podem levar horas, dias ou meses até serem conhecidos os resultados ou então não detetam a presença de THC imediatamente após consumo. Isto, torna a deteção no momento, por exemplo a um condutor que se suspeita estar a dirigir sob o efeito de Cannabis, muito difícil. [6]

   Para resolver esta problemática, têm-se feito alguns estudos para desenvolver testes ao hálito/sopro (semelhante ao Alcoolímetro, coloquialmente conhecido como Bafómetro, para a deteção de ingestão de bebidas alcoólicas), porém ainda são necessários mais estudos e aprimoramentos até se conhecer a forma final dos mesmos, caso realmente se venha a conseguir chegar a um teste confiável e eficaz deste tipo. [6]

Bibliografia:

[1] Site da WHO: Alcohol, Drugs and Addictive Behaviours Unit. Disponível em: https://www.who.int/teams/mental-health-and-substance-use/alcohol-drugs-and-addictive-behaviours/drugs-psychoactive/cannabis, consultado a 30/03/2021.

[2] Zehra A, Burns J, Liu CK, et al. Cannabis Addiction and the Brain: a Review. J Neuroimmune Pharmacol. 2018;13(4):438-452. doi:10.1007/s11481-018-9782-9  

[3] Balsa C, Vital C, Urbano C. IV Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral, Portugal 2016/17. SICAD – Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências. Lisboa, 2018.

[4] Koob GF, Volkow ND. Neurobiology of addiction: a neurocircuitry analysis. Lancet Psychiatry. 2016;3(8):760-773. doi:10.1016/S2215-0366(16)00104-8

[5] Sherman BJ, McRae-Clark AL. Treatment of Cannabis Use Disorder: Current Science and Future Outlook. Pharmacotherapy. 2016;36(5):511-535. doi:10.1002/phar.1747

[6] Ramzy V, Priefer R. THC detection in the breath. Talanta. 2021 Jan 15;222:121528. doi: 10.1016/j.talanta.2020.121528 

Imagens:

1. Ilustração da dependência de Cannabis

2. Imagem de um exemplo de teste de deteção de Cannabis na urina.

3. Imagem de uma colheita de sangue, para posterior análise.

4. Imagem de um exemplo de um teste de deteção de Cannabis no cabelo.

© 2021 by André Seixas, Mafalda Grade e Rita Silva 

Se tens alguma dúvida, contacta-nos: cannabissativa2021@gmail.com

Trabalho realizado no âmbito da disciplina de Toxicologia Mecanística do Curso de Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas

da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (FFUP), no ano letivo 2020/2021. Este trabalho tem a responsabilidade pedagógica e científica

do Prof. Doutor Fernando Remião (remiao@ff.up.pt) do Laboratório de Toxicologia da FFUP.

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