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TOXICOCINÉTICA

          À semelhança de outros compostos, desde o consumo de cannabis até à eliminação dos seus produtos do nosso corpo, os seus constituintes desta irão percorrer um caminho pelo nosso corpo e sofrer diversas transformações. A todo este processo podemos chamar de Perfil Toxicocinético, sendo que este pode ser dividido entre várias etapas: Absorção, Distribuição, Metabolização e Eliminação.

      De um ponto de vista geral, o Perfil Toxicocinético dos canabinoides varia significativamente entre indivíduos, consoante a forma física dos mesmos, a dose de produto consumida, a via de administração e, ainda, a avidez do consumo. [1] [2] [3]

Absorção

      Tanto a taxa de absorção, como os níveis séricos máximos, como o tempo até ao início do efeito e a biodisponibilidade dos canabinoides dependem, consideravelmente, do indivíduo, do tipo de produto de cannabis consumido, assim como da via de administração.

     A Cannabis consumida pela via inalatória através de fumo ou vaporização, quando comparada com consumo por via oral, leva a níveis séricos de THC mais elevados, assim como início de ação mais célere e, ainda, maior biodisponibilidade.

 

     Outras vias de administração têm sido testadas para encontrar potenciais fins terapêuticos para as mesmas, sendo de maior relevância as Administrações Oftálmicas, Retais, Sublinguais e Tópicas. Para estas vias os perfis farmacocinéticos ainda não estão bem estabelecidos. [2]

Via Inalatória 

[1] [2] [3]

  • Após uma só inalação, já é possível detetar THC no plasma, com a concentração máxima sérica a ser atingida 3 a 10 minutos, após o início da inalação.

 

  • Quanto à biodisponibilidade - apesar de variar consoante a fonte bibliográfica - esta é muito variável, sendo o intervalo entre 10% e 25/35% o mais comum [1] [2], mas podendo variar entre 2% e 56% [3]. Esta variabilidade deve-se a diversos fatores do produto (como ao tipo de matriz do produto, a temperatura da ignição ou a forma como é consumido: fumado ou vaporizado) e da dinâmica da inalação do consumidor (como o número de inalações, a duração das mesmas e o espaçamento entre elas).

  • De notar que a biodisponibilidade de CBD, tendo como origem produtos fumados, ronda os 31%, podendo variar entre 11% e 45%. [3]

Via Oral 

[1] [2] [3]

  • Através da via oral, em geral, a absorção é lenta e muito variável devido à sua dependência a muitos fatores relativos ao indivíduo (como o índice de massa corporal, o género, os hábitos alimentares e a motilidade gástrica) e ao produto (como a concentração, o tipo de matriz do produto ou o rácio desagregação/dissolução). [1] [3]

  • Tendo isto em conta, a concentração sérica máxima é atingida após 1 a 2 horas (podendo atingir até 6 horas, nalguns casos) e a biodisponibilidade de THC e CBD varia entre os 5% e os 20%. Esta diminuição de biodisponibilidade, quando comparada com a via inalatória, prende-se pela degradação ácida sofrida no estômago e pelo demarcado efeito de primeira passagem sentido, não presentes aquando do consumo pela via inalatória. [1] [2]

Distribuição

         Pensa-se que a distribuição de THC seja controlada, em grande parte, pelas suas propriedades físico-químicas e que comece, imediatamente, após a sua absorção. Estima-se que em torno de 90% do THC (incluindo metabolitos) seja distribuído no plasma, sendo que 95% a 99% desses estará ligado a proteínas plasmáticas, nomeadamente lipoproteínas e, em menor extensão, à albumina. Os restantes 10% pensa-se que sejam distribuídos pelos eritrócitos. [2] [3]

        A lipofilicidade do THC, aliada à grande afinidade com os tecidos, em especial com o tecido adiposo, alteram o perfil de distribuição do THC ao longo do tempo. Isto é, inicialmente, o THC penetra nos tecidos altamente vascularizados como o cérebro, os pulmões, o fígado, o coração, os rins ou a placenta. A longo prazo, o THC acumula-se em tecidos menos vascularizados, especialmente no tecido adiposo e é depois libertado do mesmo, lentamente. [1] [3]

         De realçar que o THC consegue atravessar a placenta e chegar ao feto e é excretado no leite materno, pelo que tanto durante a gravidez, como durante a amamentação, o feto e o recém-nascido podem estar expostos a níveis consideráveis de canabinoides, caso a mãe os consuma, sendo a via inalatória a que mais potencia esta exposição, devido às propriedades favoráveis aquando da absorção, discutidas acima. [2] [3]

Metabolismo

           O THC é, maioritariamente, metabolizado no fígado por reações de Fase I e Fase II.

      A nível de Fase I é metabolizado através de enzimas hepáticas da família CYP450, destacando-se as CYP2C19, CYP2C9 e CYP3A4. Das reações catalisadas por estas enzimas surgem, primeiramente, o 11-OH-THC (ativo), através de uma reação de hidroxilação alílica e a partir deste forma-se o 11-COOH-THC (inativo), através de oxidações alcoólicas ou aldeídicas. [2] [3] [4] [5]

         

          De seguida, tanto o THC como os seus metabolitos sofrem conjugação com o ácido glucorónico, através de reações de Fase II, pelas UDP-glucuroniltransferases (UGT), mais pronunciadamente pelas UGT1A1/3/9/10 e UGT2B7, de forma a serem excretados nas fezes sob a forma de 11-OH-THC ou na urina na forma de 11-COOH-THC e/ou 11-COOH-THC glucuronídeo. [4] [5]

           O esquema seguinte demonstra o processo de metabolização hepática do THC:

A CYP3A4 é a mais abundante e é responsável por

metabolizar um grande número de medicamentos,

o que pode levar a interações com os mesmos

THC%25252520pubchem_edited_edited_edited

1. delta9-tetrahidrocannabinol

(THC)

No Fígado:

*

Fase II

UGT's

THC%20gluco_edited.png

4. THC

glucuronídeo

Eliminação 

*

Fase I

CYP450

11-OH-THC%25252520pubchem_edited_edited_

2. 11-hidroxi-THC

(11-OH-THC)

Fase I

CYP450

Fase II

UGT's

11-OH-THC%2520gluco_edited_edited.png

5. 11-OH-THC

glucuronídeo

Eliminação 

11-COOH-THC%25252520pubchem_edited_edite

3. 11-nor-9-carboxi-THC

(11-COOH-THC)

Fase II

UGT's

11-COOH-THC%20gluco_edited.png

6. 11-COOH-THC

glucuronídeo

Eliminação 

          Para além do fígado, outros órgãos como os pulmões, o coração ou o intestino, são também capazes de metabolizar o THC, ainda que em muito menor extensão, sendo possíveis serem identificados em torno de 80 a 100 metabolitos do THC, alguns ativos e outros inativos. [2] [3]

Eliminação

           Quanto à eliminação, é estimado que o THC tenha uma semivida variável ao longo do tempo, isto é, tendo uma semivida inicial muito rápida de cerca de 6 minutos, que depois passa a 22 horas, numa fase terminal. Esta última será ainda mais prolongada quando na presença de consumidores ávidos, uma vez que ocorre redistribuição das reservas acumuladas nos tecidos adiposos, sendo possível identificar THC no plasma e no tecido adiposo até mais de 24h após o último consumo.

 

           Em relação ao CBD, estima-se que este terá, também, uma semivida terminal longa de cerca de 31 horas quando inalada e cerca de 2 a 5 dias quando ingerido, repetidamente a nível diário, pela via oral. [1] [3]

          De notar que tanto o CBD como o THC são excretados nas fezes e na urina, sendo este último excretado, maioritariamente, sobre a forma de metabolitos ácidos, durante dias a semanas após o seu consumo, numa proporção de 20% a 35% na urina e 65% a 80% nas fezes. [2]

Visualiza todo o processo de toxicocinética e toxicodinâmica, de forma esquemática e simplificada, carregando neste botão:

Bibliografia:

[1] Finn K. Cannabis in Medicine: an evidence-based aproach. Springer. 2020 [e-book]. doi: https://doi.org/10.1007/978-3-030-45968-0.

[2] Grotenhermen F. Pharmacokinetics and Pharmacodynamics of Cannabinoids. Clin Pharmacokinet. 2003 Apr; 42(4):327-60

[3] Brian C. Foster, Hanan Abramovici, Cory S. Harris. Cannabis and Cannabinoids: Kinetics and Interactions. The American Journal of Medicine. 2019;132(11):1266-1270

[4] Ramzy V, Priefer R. THC detection in the breath. Talanta. 2021 Jan 15;222:121528. doi: 10.1016/j.talanta.2020.121528

[5] Brown JD. Potential Adverse Drug Events with Tetrahydrocannabinol (THC) Due to Drug–Drug Interactions. Journal of clinical medicine. 2020;9(4), 919. 

Imagens:

1. Imagem do delta9-tetrahidrocannabinol

2. Imagem do 11-hidroxi-THC

3. Imagem do 11-nor-9-carboxi-THC

4. Imagem do THC glucoronídeo

5. Imagem do 11-OH-THC glucoronídeo

6. Imagem do 11-COOH-THC glucoronídeo

© 2021 by André Seixas, Mafalda Grade e Rita Silva 

Se tens alguma dúvida, contacta-nos: cannabissativa2021@gmail.com

Trabalho realizado no âmbito da disciplina de Toxicologia Mecanística do Curso de Mestrado Integrado em Ciências Farmacêuticas

da Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto (FFUP), no ano letivo 2020/2021. Este trabalho tem a responsabilidade pedagógica e científica

do Prof. Doutor Fernando Remião (remiao@ff.up.pt) do Laboratório de Toxicologia da FFUP.

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