
TOXICODINÂMICA
Os fitocanabinoides presentes na Cannabis atuam no Sistema Endocanabinoide, sendo os dois principais recetores, identificados no corpo, o CB1 e o CB2, ambos acoplados através de proteínas G para afetar (inibindo) a conversão da AMP em AMP cíclico. Recentemente, foi sugerida a presença de recetores canabinoides adicionais. O melhor caracterizado até agora é o GPR55, um recetor acoplado à proteína G com 13-14% de homologia com o recetor CB1 e uma distribuição cerebral semelhante. [1]
Quando ativados, estes recetores funcionam, inibindo a libertação de 5-hidroxitriptamina (5-HT), noradrenalina, acetilcolina, GABA, dopamina, glutamato, d-aspartato e colecistoquinina inibindo a adenilciclase, a produção de AMP cíclica e, ainda, a atividade da proteína cínase A. Isto resulta da inibição do influxo de cálcio, através de canais de cálcio fechados por voltagem e estimulação dos canais de K+.
Recetores CB1
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Cérebro: o recetor CB1 está predominantemente localizado na membrana plasmática dos interneurónios pré-sinápticos GABAergicos. Além da sua expressão generalizada em terminais GABAergicos, o receptor CB1 também se encontra em terminais axonais de neurónios glutamatérgicos em todo o cérebro. Intracelularmente, pode localizar-se nas mitocôndrias e, desta forma, regular o metabolismo da energia neuronal.
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Periferia, como:
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Trato Gastrointestinal (células não neuronais e células do sistema nervoso entérico)
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Fígado;
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Sistema cardiovascular
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Recetores CB2
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Tecidos Periféricos, como:
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Sistema imunitário (como os leucócitos e o baço);
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Trato gastrointestinal;
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Músculo esquelético;
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Pele;
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Sistema cardiovascular;
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Fígado.
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O recetor CB1 regula vários comportamentos, incluindo sono, medo, respostas ao stress, aprendizagem, memória e ingestão de alimentos, através de alterações na expressão genética e modulação da plasticidade sinática. O recetor CB1 é também expresso na periferia. No trato gastrointestinal, em condições fisiológicas, encontra-se em células não neuronais e células do sistema nervoso entérico e contribui para a regulação da ingestão de alimentos e equilíbrio energético. Noutros tecidos, como por exemplo, no fígado e sistema cardiovascular, a expressão do recetor CB1 é baixa em condições saudáveis, mas não é preponderante em estados patológicos.
O recetor CB2 modula várias vias de sinalização através de proteínas Gi/0, mas não altera as atividades do canal iónico. A expressão do recetor CB2 é aumentada em estados patológicos e implicada na gestão da inflamação e da dor. É, consequentemente, alvo de investigação emergente devido às suas potenciais propriedades analgésicas, anti-inflamatórias e imuno-moduladoras.[2]
Tanto os recetores CB1 como CB2 são ativados por ligandos endógenos, sendo os mais estudados a anandamida (AEA) e o 2-araquinoglicerol (2-AG):
AEA
Anandamida (aea)
Agonista parcial de alta afinidade para o recetor CB1, mas com ligação de baixa afinidade para o recetor CB2.
2-ARAQUINOGLICE-ROL (2-AG)
Agonista total de ambos os recetores, com maior atividade intrínseca do que a AEA.
2-AG

1. Sistema endocanabinóide.
Neurotransmissores inibidores (GABA)
Ativação dos recetores CB1
Inibição pré-sinática
Neurotransmissores
excitatórios (Glutamato)
Manipulação de neuromoduladores como a dopamina, a noradrenalina, a serotonina e a acetilcolina.
A estimulação do recetor CB1 produz efeitos semelhantes aos da cannabis na psique e na circulação, enquanto que a ativação do recetor CB2 não produz.
Os efeitos do sistema nervoso central (SNC) ao THC resultam da ativação generalizada do recetor CB1 no cérebro, onde é o mais abundante recetor de proteína G acoplada. As regiões cerebrais de alta expressão incluem o hipocampo, cerebelo, gânglios basais e córtex cerebral, o que está de acordo com os efeitos adversos da cannabis, tais como perturbações da memória a curto prazo, da coordenação motora e das funções cognitivas.
Ao contrário, o CBD não afeta diretamente nenhum dos recetores, mas modifica a capacidade dos recetores se ligarem aos endocanabinóides. Por exemplo, o CDB melhora a atividade da anandamida. [1]
Sistema Nervoso Central
Efeitos como a taquicardia e hiposalivação (boca seca) são mediadas pelos efeitos do THC na libertação da acetilcolina. Num modelo de rato, os agonistas canabinoides inibiram a ativação dos recetores de serotonina, explicando as propriedades antieméticas dos canabinoides através de interações com a serotonina.
Os efeitos terapêuticos sobre o movimento e as perturbações espásticas podem ser atribuídos em parte às interacções com o sistema transmissor GABAérgico, glutaminérgico e dopaminérgico.[1]
Sistema Circulatório
O sistema canabinoide endógeno parece desempenhar um papel importante no controlo da pressão sanguínea. Os endocanabinóides são produzidos pelo endotélio vascular, macrófagos circulantes e plaquetas.
O THC pode causar taquicardia e aumentar o débito cardíaco com o aumento do trabalho cardíaco e da procura de oxigénio. Pode, também, levar à vasodilatação periférica, hipotensão ortostática e reduzir a agregação plaquetária. Não houve alteração do fluxo sanguíneo cerebral médio global após o consumo de cannabis, mas aumenta e diminui em várias regiões. O efeito taquicárdico do THC é presumivelmente baseado na inibição vagal e pode ser atenuado por beta-bloqueadores.
A resistência vascular nos coronários e no cérebro é reduzida principalmente pela ativação direta do recetor CB1 do canabinóide vascular. [1]
Olho
A exposição ao THC e a outros canabinoides causa vasodilatação intraocular, resultando em vermelhidão conjuntival. [1]
Sistema Hormonal e Fertilidade
O THC interage com o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, influenciando numerosos processos hormonais. Pequenas alterações nos níveis hormonais humanos devido à ingestão aguda de cannabis ou THC geralmente cessam.
No entanto, a tolerância a estes efeitos desenvolve-se e mesmo os utilizadores regulares de cannabis demonstram níveis hormonais normais. [1]
Genética e Metabolismo Celular
Em doses muito elevadas, o THC pode inibir o ADN, RNA, síntese de proteínas e influenciar o ciclo celular. [1]
Trato Digestivo
O THC causa um atraso significativo no esvaziamento gástrico. Para além disto, os agonistas CB1 suprimem a transmissão vagal, inibindo a secreção de ácido gástrico. [1]
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Bibliografia:
[1] Grotenhermen F. Pharmacokinetics and pharmacodynamics of cannabinoids. Clinical pharmacokinetics. 2003 Apr;42(4):327-60.
[2] Egmond NV, Straub VM, der Stelt MV. Targeting endocannabinoid signaling: FAAH and MAG lipase inhibitors. Annual Review of Pharmacology and Toxicology. 2021;61
Imagens:
1. Blaskowsky LM. Fetal and Neonatal Marijuana Exposure. InCannabis in Medicine 2020 (pp. 401-414). Springer, Cham.